Qual o objetivo do Batismo no Espírito Santo

O Espírito Santo dirige a Igreja à luz da Palavra de Deus, pois Ele não pode negar-se a si mesmo. Toda experiência deve ser julgada pelas Escrituras. A experiência do Espírito não nos é dada pela experiência em si, mas ela tem um fim pedagógico, teológico e missiológico.
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A partir do meu envolvimento com o estudo da missiologia, percebi que algo estava errado na prática missionária de uma grande parte da igreja,[1][2]1 e que este erro, se devia a falha na análise teológica, ou seja, um erro teórico. Uma boa prática tem como fundamento, ainda que ainda que não academicamente fundamentada, numa boa teoria. A ênfase da renovação, para muitos, estava mais na experiência do batismo no Espírito em si, do que no significado da experiência do Pentecostes. O Espírito Santo dirige a Igreja à luz da Palavra de Deus, pois Ele não pode negar-se a si mesmo. Toda experiência deve ser julgada pelas Escrituras. A experiência do Espírito não nos é dada pela experiência em si, mas ela tem um fim pedagógico, teológico e missiológico.

O livro de Atos gira em torno de dois temas centrais: a liderança do Espírito Santo e a missão da Igreja. Assim, o propósito desta reflexão é apresentar, a partir da Bíblia e especificamente do livro de Atos, os ensinos missiológicos que dá a Igreja em missão, parâmetros seguros para sua caminhada missionária. Ou seja, o fundamento teológico que vai iluminar sua prática pastoral e missional.     

1. A CENTRALIDADE DO PENTECOSTES EM ATOS

            Na Grande Comissão de Atos, vemos claramente a ordem dos fatos: “recebereis o poder, ao descer sobre vós o Espírito Santo, e sereis minhas testemunhas” (At 1:8). A ordem é clara, receber para ser. Somente após o recebimento do poder do Espírito Santo, é que eles poderiam realizar a missão.   No capítulo 2, temos o cumprimento da promessa e suas consequências missionárias (poder e capacitação 1-13, pregação 14-36, conversão 37-40, batismo 41, ensino, comunhão, adoração e crescimento 42-47). Tudo que vemos em Atos a partir daí, é a continuidade deste processo iniciado no Pentecostes. Temos, portanto, o pressuposto necessário para afirmar que o Pentecostes é a chave para o restante do livro de Atos.

            Logo no início, Lucas insere em At. 1.1 a 2.47, as bases teológicas do livro; tornando-se o derramar do Espírito Santo sobre os cento e vinte e suas consequências, o “ponto de partida”. O Pentecostes como ponto de partida está inserido neste contexto inicial que envolve as últimas ordens de Jesus Cristo, sua assunção, os discípulos esperando a “promessa do Pai”, o batismo no Espírito Santo e a consequente evangelização, discipulado e comunhão da Igreja em sua gênese histórica. A ênfase no capítulo 1 está na PROMESSA e no capítulo 2, no CUMPRIMENTO. O derramar do Espírito Santo no Pentecostes, aponta para quatro questões teológicas e missiológicas: Quem deve anunciar o Evangelho? A quem o Evangelho deve ser anunciado? Como anunciar o Evangelho? Qual o conteúdo do Evangelho?

1.1 Quem deve anunciar o evangelho?

            A glossolália, como sinal para a Igreja, nos diz quem deve anunciar, ou seja, ser testemunha do evangelho: todo o povo de Deus. É preciso que se saiba “quem” deve cumprir o mandato. Neste ponto, queremos responder à primeira implicação missionária da glossolália. A glossolalia em Pentecostes aponta todo o povo de Deus como testemunha do evangelho. Há uma ideia de totalidade no Pentecostes. Quando o Espírito Santo veio sobre eles, “todos” estavam reunidos; “cada um” recebeu a glossolália; “todos” falaram noutras línguas das grandezas de Deus. 

            Pedro, ao explicar o que estava acontecendo, citou o profeta Joel sobre a promessa do derramar do Espírito sobre “toda carne”, filhos e filhas, jovens, velhos, servos e servas; ou seja, a partir do derramar do Espírito sobre todo o povo de Deus, não haveria mais distinção para o serviço, porém todos, homens e mulheres, jovens e velhos, livres e escravos, seriam vocacionados e capacitados para a missão. Portanto, fica claro, a partir de Atos, que o Espírito Santo usaria a totalidade do povo de Deus, para cumprir seu propósito missionário.

            Havia naqueles dias em Israel, uma clara distinção de uma classe sacerdotal, o clero, que exercia a atividade religiosa; e os leigos que exerciam um papel de passividade na atividade religiosa. Charles Van Engen dá a seguinte definição: “O termo laicato, quando usado, deve receber o sentido bíblico de ‘povo (gr. laos) de Deus’, distinto do dom, na função e na ministração – mas não na santidade, no prestígio, no poder, no compromisso ou na atividade”.

            No NT, não encontramos base sólida para uma estrutura eclesiástica composta de duas classes distintas, com privilégios e responsabilidades distintas. Não havia na Igreja neotestamentária a distinção entre os membros da Igreja e o clero. Clemente de Roma foi o primeiro a fazer tal distinção em 95 dC. A ênfase original, no entanto, era que todos pertenciam ao “laos de Deus”. Se todos os convertidos são “povo” de Deus em missão, qual era o papel dos líderes? Van Engen responde: (1) a pessoa ordenada não é superior, mais importante ou mais santa; (2) ela é designada pelo povo de Deus para capacitar e preparar a congregação; (3) a confirmação da ordenação vem à medida que a Igreja se torna povo missionário; (4) a pessoa ordenada é serva de todos; (5)  Ela se esforça para estabelecer uma inter-relação dinâmica entre a Igreja e o mundo; (6) há um chamado especial de Deus para todo o povo de Deus, e a congregação precisa perceber isto. 

            Uma das características principais da Igreja no livro de Atos é que a tarefa missionária não foi privilégio dos apóstolos, mas todo o povo de Deus a realizou. Em alguns casos, quando os apóstolos ficaram sabendo, a obra já estava estabelecida (Samaria e Antioquia). Portanto, a liderança não era dos apóstolos, mas do Espírito, o qual fez com que o Evangelho chegasse a fronteiras que os primeiros líderes, dificilmente teriam levado em consideração – os samaritanos, o eunuco (cap 8), e os totalmente gentios (cap. 11). Embora na eleição dos “diáconos” tenha ficado claro que os apóstolos se dedicavam à “oração e a Palavra”, Estevão e Felipe também pregavam (6.10; 8.5) e realizavam sinais (6.8 e 8.6). Não foi um apóstolo, mas Estêvão o primeiro mártir do cristianismo. E, sem dúvida, foi a mensagem que Estevão pregou, que o Espírito Santo usou para incomodar Paulo.

            Os primeiros missionários não foram os apóstolos, mas os leigos que dispersos “iam por toda parte pregando a Palavra” (8.4). No cap. 8.1, a Bíblia diz que “todos, exceto os apóstolos, foram dispersos”. Assim, afirma John Stott a respeito deste texto, “enquanto os apóstolos permaneciam em Jerusalém, a grande massa de crentes assumiu a tarefa de evangelizar”. Lucas deixa claro que esta “grande massa” tem um papel ativo na missão. Não eram apenas coadjuvantes ou espectadores.

            Green afirma que “o cristianismo era acima de tudo um movimento de leigos, espalhado por missionários informais”. Ele vai mais longe, afirmando que Atos nos mostra, “que as mulheres exerciam um papel de destaque na propagação do evangelho, Dorcas, Lídia, Priscila, as quatro filhas de Filipe, que eram profetisas, as mulheres nobres de Tessalônica”.  É preciso que se leve em conta o fato de que tanto no judaísmo bem como no paganismo, a liderança era creditada aos homens. Vemos assim, que não havia distinção nem mesmo quanto ao sexo.

1.2 A quem anunciar o evangelho?

            Temos nesta perícope (At 2.5-13), o seguinte resumo: no dia da festa de Pentecoste, havia em Jerusalém pessoas de várias nações, judeus e prosélitos, que presenciaram um grupo de galileus, discípulos de Jesus, falando das grandezas de Deus. Porém, o que mais lhes impressionou não foi a festa em si, mas em dado momento ouvirem tais galileus, falando na língua materna de cada povo ali representado. Este milagre causou nos ouvintes uma dupla reação: admiração e zombaria.  

            Fazendo uma exegese do texto em epígrafe, descobrimos dois pontos centrais: as nações presentes, “vindos de todas as nações debaixo do céu” v.5, 9, 10 e 11; e as línguas faladas, “cada um os ouvia falar na sua própria língua” v. 6, 8 e 11. Este mundo conhecido era o mundo grego-romano ao redor do Mediterrâneo e que “todas as nações” estavam ali representando todas as nações, etnias da terra. Deus não faz nada aleatoriamente, pois ao escolher a festa de Pentecoste para dar cumprimento às suas promessas pronunciadas pelos profetas de derramar de seu Espírito sobre “toda carne,” o faz num momento em que judeus e gentios prosélitos de todas as partes do mundo conhecido se encontravam em Jerusalém. Muitos se converteram, e provavelmente, alguns destes, retornaram às suas casas como testemunhas. Neste caso, percebemos pelo exposto, a ideia de uma missão para todos os povos, missão universal. O Evangelho deve ser anunciado para todos os povos.

No texto epigrafado, temos duas palavras gregas para o mesmo fenômeno: γλωσσα (Glõssa) e διαλεκτω (dialekto. (Glõssa, v. 11) tem o sentido de língua, linguagem, fala. (Heteroglõssos) falando língua estrangeira. Em Atos, está ligada a (dialekto, v. 6 e 8) que tem o sentido de idioma, dialeto, linguagem, expressão da fala de um povo. Ambas, indicam que os discípulos através de uma operação sobrenatural do Espírito Santo, falaram em outros idiomas. Assim sendo, o primeiro sentido da glossolália aponta para a missão mundial da igreja, para a universalidade da missão; e que a missio eclesiae é por natureza para todos os povos da terra. No momento em que o Espírito Santo escolhe um dia especial onde em Jerusalém se encontravam pessoas vindas, representativamente, de todas as nações do mundo conhecido, e faz com que os cento e vinte falem das grandezas de Deus em línguas que eles mesmos não conheciam, mas que eram comuns aos a esses povos, fica claro a direção para onde Ele está apontando. Marshall afirma que a glossolália, no Pentecostes especificamente, serve como “símbolo da necessidade que a humanidade tem de receber o evangelho, e da consequente responsabilidade da igreja para cumprir a sua  missão”. Stott afirma que a glossolália “simbolizou uma nova união no Espírito, transcendendo barreiras raciais, nacionais e lingüísticas”. Portanto, as “línguas faladas” no Pentecoste indicam sem sombra de dúvida, o alcance universal da missão cristã. O Pentecostes, como ponto de partida para a missio eclesiae, demonstra fundamentalmente a natureza “multirracial, multinacional e multilíngue do reino de Cristo”.

            É para este ponto que nos aponta a glossolália. Pois todos os povos ali representados naquele dia falavam Aramaico ou Grego, bem como os discípulos. Em termos de linguagem, eles podiam se comunicar sem a necessidade da glossolália; como, porém a intenção do Espírito era demonstrar que o evangelho deveria ser comunicado para cada povo, etnia da terra, Ele usou para isso a língua materna de cada povo ali representado, que é a maior expressão cultural de uma nação. Neste caso, as “línguas faladas” no Pentecostes são de fato um sinal teológico direcionador para a igreja em missão. A missão é para todos os povos.

1.3 Como anunciar o evangelho?

            A glossolália, como sinal para a Igreja, não apenas nos diz quem deve anunciar e a quem anunciar as grandezas de Deus, como também aponta para como anunciá-las: missão transcultural contextualizada. Não é uma questão de simplesmente compreender “a quem” se destina a missão, mas também “o como” levá-la a efeito através da contextualização. Antes, porém, é preciso que fique claro: contextualização não pode  ser confundida com aculturação. Não é uma questão de contextualização pura, pois há aspectos da cultura que são pecaminosos e precisam de correção. “Durante toda a história da Igreja encontramos essa tensão entre Igrejas e contexto, manifesta de formas distintas em cada tempo histórico e espaços políticos-culturais”, afirma Zabatiero. Há um relacionamento tridimensional do Evangelho com a cultura. Ele está acima da cultura, na cultura e é contra-cultura. Assim, sempre que se fala de contextualização, deve-se falar de uma contextualização que seja encarnada criticamente.

            Quando olhamos para o processo de encarnação de Cristo, percebemos que foi justamente isto que Deus fez. Primeiro ele se contextualizou a humanidade; e tornando-se humano, Ele foi “reconhecido em figura humana” (Fl 2:7). Neste processo de contextualização do Filho, houve todo um esforço e sacrifício, não apenas dEle, mas toda a Trindade estava envolvida neste processo. Portanto, neste processo de sair de uma cultura a outra, o esforço não pode ser apenas do missionário que vai, mas toda a Igreja deve estar envolvida.

            Assim, o Evangelho está acima de qualquer cultura, ele é transcendente e não pode ser alcançado por qualquer cultura. Ao mesmo tempo, o Evangelho é imanente à cultura, ele está, em alguns aspectos, em cada cultura. Finalmente, o Evangelho é contracultura, pois, por estar acima da cultura, ele condena aqueles aspectos da cultura que são pecaminosos. Essa compreensão leva a igreja em missão a buscar a contextualização do Evangelho, não no sentido de aculturação, mas uma contextualização que seja crítica.

1.4 Qual o conteúdo do evangelho?

            Neste ponto, é preciso em primeiro lugar, salientar que todos os discursos em Atos onde os ouvintes estavam familiarizados com os costumes judaicos, tinham como ponto de partida as Escrituras no que se referia ao Messias; onde o auditório não tinha conhecimento das Escrituras, o orador partia do Deus Criador. Dodd, diz o seguinte sobre este assunto: “o Evangelho cristão não podia ser apresentado de modo adequado ou convincente, se a comunicação dos fatos referentes a Jesus não fosse sustentada pela referência ao Antigo Testamento”.

            Havia entre os judeus, uma esperança messiânica, uma expectativa do Messias; e o querigma apostólico respondia a esta expectativa. O conteúdo do querigma, afirmava seu significado para os judeus e prosélitos, “sobretudo pelo recurso às profecias do Antigo Testamento”. Para Dodd, o conteúdo do querigma, era o anúncio do fato e seu significado, os quais eram afirmados nos seguintes pontos: (1) que o Messias é um messias sofredor; (2) que o Messias deve ressurgir da morte; (3) que o Messias se identifica com Jesus; (4) que a conversão para remissão de pecados seria pregada em seu nome a todas as nações.

            Para Greem, o conteúdo do querígma era uma tentativa de identificar Jesus como o Messias, com todas as implicações consequentes. Falando sobre o significado da cruz de Cristo ele aponta sete temas levantados nos discursos de Atos: (1) a seriedade do pecado; (2) a responsabilidade individual; (3) a salvação da humanidade procede somente de Deus; (4)  cruz e ressurreição são justapostas com a oferta divina de perdão; (5) Jesus é o Servo Sofredor de Isaías 42 e 53; (6) a morte de Cristo é explicada como resgate; (7) a morte vicária de Jesus no madeiro.

            Quando analisamos os discursos evangelísticos de Atos, Pedro, todos repletos de citações do AT, onde fica claro o conteúdo da mensagem evangélica, onde, desde o primeiro de Pedro no cap. 2.14-40, passando pelo de Estevão no cap. 7 e o último de Paulo no cap. 26.2-27, o conteúdo é Jesus, o Messias, filho de Davi, morto e ressuscitado, cujo reinado é eterno, enviado para salvação de todos os povos, através do arrependimento e fé. Mais ou menos 30 anos de caminhada histórica da igreja, desde a primeira mensagem até a última registrada em Atos, o conteúdo é o mesmo. Michael Greem afirma “os pregadores do evangelho só tinham um tema central: Jesus. E concentravam nele acima de tudo.” O Espírito Santo, como Espírito missionário, aponta para o Senhor Jesus Cristo, o Cordeiro de Deus que venceu, foi morto, mas vive para e reina para sempre.

Pr. Éder José de Melo
Presidente da Jami e da CBN GO


[1] Eder José de Melo Silva, doutor em teologia. Este artigo esta fundamentado em seu livro, O Espírito Santo e a Missão da Igreja. As citações não tiveram suas fontes mencionadas, para fins de redação, mas estão todas no livro citado.

[2] Só para se ter uma idéia, de acordo com o relatório da JAMI, a organização responsável em facilitar o trabalho missionário transcultural da CBN, apresentado no CONPLEX de abril de 2023 em Brasília, o número de igrejas batistas nacionais que se envolvem diretamente com a missão transcultural não chega a 10%. Sabemos que há igrejas da CBN que participam da missão transcultural via outras agências missionárias e até mesmo por conta própria, mas esse número não altera significativamente esse percentual. A Convenção Batista Nacional foi criada em 16.09.1967, porém, somente em 1995, ou seja, 27 anos depois, que se organizou a Junta de Missões.

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