Um Cinquentenário Diferente

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Relutei muito em escrever este texto. Porém, depois de pensar bastante, achei por bem fazê-lo por se tratar de um fato ocorrido comigo, que acaba de completar meio século. Tenho bem nítido em minha mente o que se passou naquela manhã do dia 16 de agosto de 1965, precisamente às 10h30.

Como aluno regular do Seminário Teológico Batista do Norte do Brasil, na Cidade de Recife, cheguei feliz e me dirigi à sala de aulas daquele segundo semestre do curso teológico. A seguir fui chamado à Reitoria, onde me esperavam o pastor Lívio Lindoso, reitor daquela instituição teológica e o deão.  Ambos estavam encarregados de me interpelar sobre os últimos acontecimentos no Seminário daquele tumultuado ano de 1965.

Como se trata de cinquenta anos atrás, creio ser necessário uma retrospectiva dos fatos. Após minha conversão, fui muito impactado pelas vidas dos missionários norte-americanos que nos anunciaram o evangelho no interior do estado de Goiás, no município de Inhumas. Em Goiânia, tive o privilégio de ser batizado e pastoreado pelo saudoso Pastor Silas de Brito Lopes, na Igreja Batista de Campinas. Aos 16 anos de idade senti o chamado para o ministério pastoral. Como naquela época, (1954), só existiam Seminários no Rio de Janeiro, Recife e Carolina no Maranhão, aguardei o devido tempo e em 1963, realizei o meu sonho de adentrar-me aos portões de um Seminário Teológico, como aluno.

Com a esposa e duas filhas, em março de 1963 seguimos para Recife. Confesso que não foi fácil. Ao sair de Brasília, fomos inteiramente pela Fé. Os recursos que conseguimos por meio da venda de nossos móveis, utensílios e eletrodomésticos, só deram para pagar as passagens de avião, e o envio da “mudança” que consistia nas nossas roupas de cama, meus livros e pouca coisa, foram umas quatro ou cinco caixas. Duraram cerca de quatro meses para a transportadora nos entregar.

Não obstante a escassez de recursos, estávamos felizes. Fomos morar no Edifício Wilcox, de propriedade do Seminário. O apartamento era mobiliado com o necessário. Fui trabalhar na Igreja Batista do 40, um bairro de Campina Grande, na Paraíba. O pastor Oscar Martin e D. Bárbara, missionários pastores da igreja, não dominavam bem a língua e precisavam de um seminarista para ajudá-los. Toda sexta feira eu viajava de ônibus de Recife a Campina Grande e voltava na segunda-feira. Recebia um pequeno salário de Cr$15.000,00 (quinze mil cruzeiros), que nos ajudava na manutenção da família.  

Em junho do mesmo ano assumi o pastorado de uma congregação no bairro de Brasília Teimosa, no Recife, onde organizamos a 2ª Igreja Batista de Brasília Teimosa. Trabalhamos com afinco para ver a igreja crescer e realmente Deus abençoou. Chegamos ao final do ano com muitas vitórias. Todavia, eu adoeci e cheguei ao final do ano de “arreboque”.  Comecei precariamente um tratamento com o Dr. Inaldo Lima, gastroenterologista muito competente. Ele me disse: Darci, se você não fizer um tratamento sério, não irá criar as suas filhas. Eu estava com uma tremenda úlcera duodenal. Fiquei pesando apenas 54 quilos. Estava realmente no fim de carreira.

A direção do Seminário me aconselhou voltar para junto dos familiares e procurar um meio de tratamento. Foi o que fiz no início de janeiro de 1964. Chegando a Brasília, ficamos na casa da sogra provisoriamente, era um barraco de madeira bem pequeno. Fui à Clínica de saúde Santa Terezinha, em Taguatinga-DF, do Dr. Geraldo Leandro. Ele pediu uma bateria de 12 radiografias do estômago. Mostrou os locais em que eu deveria ser operado, porém disse: “Você está tão fraco que não terá condições de submeter-se a uma intervenção cirúrgica”. Receitou-me uma série de medicamentos e disse-me para que depois retornasse, para cuidar da operação.

A seguir viajamos para Goiânia, para a casa dos tios João Guilherme dos Reis e Rosária Reis, Ao chegar à casa da tia Rosária, no dia 17 de janeiro de 1964, ela imediatamente e com muita alegria me informou que uma moça de “renovação espiritual”, chamada Nilce Alves de Carvalho, estava orando por enfermos e Deus estava fazendo maravilhas. Como batista bem tradicional, logo fui rejeitando a proposta da tia Rosária, disse-lhe que o meu caso era só operação mesmo e que eu iria me submeter ao tratamento necessário. Minha tia não falou mais no assunto, porém, eu sei que ela foi orar neste sentido. Isto foi numa quinta feira. Quando chegou o domingo fui com muito custo ao Templo da minha ex-igreja, onde participei da Escola Dominical e Culto matinal. À noite não tive condições de ir à igreja. Minha tia, primos e minha esposa com as filhas foram para o culto. 

Estando só, e deitado na minha cama, orei ao Senhor e disse: “Senhor, ainda sou muito jovem para morrer. (apenas 25 a 2 meses). Aí estão minhas filhas e esposa, lá no Recife está minha igreja. Tu sabes que não tenho fé para orar com aquela moça. Mas se tu tens um propósito, então eu quero fé para orar com ela. Em nome de Jesus amém”. Dormi e nem vi a chegada dos familiares que estavam na igreja.  

Ao amanhecer de segunda-feira, dia 20 de janeiro, acordei com uma vontade imensa de ir orar com a irmã Nilce. Não deixei ninguém sossegado na casa enquanto não me levassem lá. A casa dela ficava no setor ferroviário de Goiânia. Ao chegar tivemos uma recepção maravilhosa da irmã Nilce que já me conhecia por nome, pois a minha tia havia falado para ela a meu respeito. Irmã Nilce contou vários testemunhos das maravilhas de Deus, que ajudaram ainda mais a minha fé. 

A seguir fomos a um pequeno quarto nos fundos da casa, onde eu a Ana Marta, minha prima, a Nilce e outra irmã, que não me lembro o nome, nos ajoelhamos e começamos a orar. Durante aquele período de orações, irmã Nilce cantou cânticos espirituais, teve visões, falou línguas estranhas. Para mim tudo era novidade, nunca havia visto ou ouvido aquilo. A certa altura daquele momento a irmã Nilce impôs as mãos sobre o meu estômago e suplicou ao Senhor Jesus que me curasse. Foi como se eu bebesse um copo d’água gelada que refrescou todo o meu estômago, que vivia sempre como se estivesse em chamas. Aquele alívio significou uma cura completa da úlcera da qual eu era acometido. De lá para cá, faz 51 anos, 7 meses e 11 dias (1 set. 2015), que nunca mais senti nada do mal que me destruía. Aleluia!

Afinal, o que tem isto a ver com UM CINQUENTENÁRIO DIFERENTE? ​ Tem tudo a ver. Em função da cura divina por mim recebida os meus olhos espirituais se abriram e procurei saber mais sobre a obra do Espírito Santo em nossos dias. Orei com vários irmãos pentecostais e renovados, e fui me certificando desta nova realidade que eu desconhecia. Em fevereiro telegrafei para o Dr. David Mein, o diretor do Seminário, comunicando que estava curado e que voltaria para o Seminário. Alguns colegas me informaram que o Dr. David, de posse do telegrama, andava pelo pátio do Seminário e dizia: “não é possível, não é possível, ele saiu daqui quase morto”. Realmente, em março estava lá novamente prosseguindo meus estudos teológicos. De volta a Recife entrei em contato com toda a turma de Renovação Espiritual. Tais como; Rosivaldo Araújo, Eclésio Meneses, Enoque Mendes, Pedro Andrade, Natalício Martins, Hélio de Freitas, e muitos outros, cujos nomes não me lembro. Reassumi minha pequena igreja de Brasília Teimosa, e em 1º de maio assumi a Igreja Batista de Largo da Paz. Uma nova igreja oriunda da Igreja Batista da Rua Imperial, em função da mensagem de Renovação Espiritual pregada naquela igreja,  pelo pastor José Rego do Nascimento. Era uma igreja nitidamente de Renovação Espiritual. Essa igreja foi a primeira a ser oficialmente rejeitada pela Convenção Batista de Pernambuco. As outras foram rejeitadas depois.

O clima para mim tornou-se hostil por parte de alguns professores e pastores da Convenção Batista. Findo o ano, a Igreja Batista de Largo da Paz cresceu bastante e em julho de 1965 voltamos para o Encontro Nacional de Renovação Espiritual em Belo Horizonte. Foi maravilhoso! Saímos encantados com a obra do Espírito Santo. De Belo Horizonte passei em Brasília, DF, vindo com irmãos da PIBB que estavam também no Encontro. Recebi em Brasília, uma palavra profética através do irmão Ebenezer Eleutério nos seguintes termos: “Ao chegar naquela cidade terás uma surpresa. Prepara-te”.

Ao adentrar o portão do Seminário, encontrei um colega que me disse: Você já sabe a surpresa? Não, respondi. Ao que me disse: entre e vá diretor a secretaria do Seminário. Ao chegar na Secretaria havia um grande movimento de alunos apanhando uns papéis. Apanhei o meu e vi que era um documento que todos os alunos deveriam assinar para consolidar a sua matrícula do segundo semestre do ano. O dito documento surgiu por meio do corpo docente do Seminário como uma reação contra o Movimento de Renovação Espiritual.  Em resumo, o documento exigia que todos os seminaristas deveriam negar qualquer evidência do Batismo com o Espírito Santo, os dons espirituais, profecias e curas divinas. Ou se calar no âmbito do Seminário e com qualquer pessoa relacionada a ele.

Procurei o Dr. Lívio Lindoso, que estava respondendo pela direção do Seminário e lhe disse que não poderia assinar aquele documento, por questões de convicções. E que tinha várias restrições ao mesmo. Ele me disse que fizesse as restrições e apresentasse. Fiz todas as restrições e apresentei o documento ao Seminário. A diretoria e o corpo docente se reuniram e no dia 16 de agosto de 1965 às 10h30 fui chamado à Reitoria e convidado a retratar-me de todas as restrições apresentadas.

Com a minha negativa, por se tratar de convicção e experiência própria por ter sido batizado com o Espírito Santo, sido curado miraculosamente e recebido os dons espirituais, jamais eu poderia retroceder. Não era fanatismo, era convicção. O Reitor Interino, Pr. Lívio me disse que a partir daquele momento eu não pertencia mais ao quadro de alunos do STBNB. Perguntei-lhe; quer dizer que estou expulso do Seminário? Sua resposta foi: Entenda como quiser, a partir de agora, você não pode mais nem subir à sala de aulas.

Sai daquele gabinete da Reitoria em lágrimas e no portão do Seminário, encontrei o Pr. Rosivaldo Araújo que estava chegando. Ao me ver chorando perguntou: O que houve Darci? Respondi que acabava de ser expulso do Seminário por causa da Renovação Espiritual. Naquele momento ele me pegou pelos ombros, balançou-me e disse: Aguenta firme Darci, esta obra é santa e ninguém detém! Naquele momento nascia o hino que é nossa marselhesa: OBRA SANTA.

Daí eu dizer que é UM CINQUENTENÁRIO DIFERENTE, cinquenta anos de expulso do Seminário, cinquenta anos de Obra Santa do Espírito. Lembro-me daqueles dias abençoados, embora tumultuosos. Sou grato a Deus por tudo que me permitiu passar e estar aqui cinquenta anos depois relembrando de tudo e dizendo: Até aqui nos ajudou o Senhor. Ebenézer!

Por causa da perseguição nos Seminários surgiu o nosso Seminário Teológico do Brasil, o nosso querido STEB, onde concluí o meu curso no ano de 1967. Sou da primeira turma de formandos desta casa de profetas. A nossa Turma foi Darci Guilherme dos Reis, Wagner Lustosa e Marly Silva. Apenas três, mas são sementes para centenas e outros valorosos obreiros da seara bendita do Pai Celestial. Vale a pena relembrar este CINQUENTENÁRIO DIFERENTE.  A Deus seja toda glória. 

(Obs. Escrevi o presente texto há 59 anos. Naquela época fazia 50 anos os acontecimentos narrados. É um pouco da longa história dos meus 65 anos de ministério)

Texto por:
Pr. Darci G. Reis

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