Qual a finalidade da música no culto?

A Bíblia trata da música e de assuntos periféricos à esta em praticamente todos os seus 66 livros. Personagens como Moisés, Miriã, Davi, e até mesmo Jesus...
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Por Pr. Natan Bezerra
Coordenador da CBN Comunicação

A Bíblia trata da música e de assuntos periféricos à esta em praticamente todos os seus 66 livros. Personagens como Moisés, Miriã, Davi, e até mesmo Jesus, são apenas alguns exemplos que diretamente se valeram da música em momentos específicos de suas vidas. Todavia, quando falamos de canções à luz da Bíblia, nosso olhar sempre remete ao Antigo Testamento, onde tudo começou. Entretanto, se nos aprofundarmos no estudo da música, chegaremos até ao Novo Testamento, mais especificamente, até um personagem conhecido mais por seus sermões e ações missionárias que necessariamente por alguma atuação musical, o apóstolo Paulo.

Existem poucas literaturas em língua portuguesa que abordam a importância que o apóstolo Paulo deu à música. Esse grande missionário, pastor e mestre, que fez mais que qualquer outro líder do seu tempo para estabelecer igrejas e ensiná-las a não somente conduzirem a si mesmas, mas também os serviços religiosos,[1] se utilizou da música em muitas de suas cartas, ora inserindo trechos de canções conhecidas e cantadas entre os irmãos da igreja primitiva, ora citando salmos e, não raro, incentivando seus leitores a adotarem a música como requisito necessário para a prática de uma vida piedosa.

A partir de dois textos paulinos podemos apresentar pelo menos duas finalidades das canções em nossos cultos, a saber adoração e ensino.

PARA ADORAÇÃO: “Falando entre vós com salmos, e hinos, e cânticos espirituais, cantando e salmodiando ao Senhor no vosso coração, dando sempre graças por tudo a nosso Deus e Pai, em nome de nosso Senhor Jesus Cristo” (Efésios 5.19-20 – destaques meus) [ARC].

PARA ENSINO: “A palavra de Cristo habite em vós abundantemente, em toda a sabedoria, ensinando-vos e admoestando-vos uns aos outros, com salmos, hinos e cânticos espirituais; cantando ao Senhor com graça em vosso coração” (Colossenses 3.16 – destaques meus) [ARC].

Tanto a carta aos efésios, quanto aos colossenses, possuem como tema principal “Cristo e a Igreja”. Alguns escritores apontam intrigantes similaridades entre essas cartas. Uma delas está no incentivo à utilização dos salmos, dos hinos e dos cânticos espirituais. Justamente por esse motivo é necessário que compreendamos com clareza em que aspectos essas formas de louvor se distinguem.

Ao apresentar o tema em comum entre as cartas, Robert H. Gundry descreve suas diferenças: “A epístola aos efésios ressalta a Igreja como Corpo de Cristo, ao passo que [a direcionada aos] colossenses realça o fato de que Cristo é o Cabeça. Esta adverte contra falsas doutrinas que subestimam a Cristo, ao passo que aquela expressa louvor por causa da unidade e das bem-aventuranças usufruídas por todos os crentes em Cristo”.[2] De acordo com alguns escritores, embora haja semelhanças nos registros de Efésios 5.19 e Colossenses 3.16, eles se distanciam quanto ao propósito. Paul McCommon entende que, no primeiro texto, o objetivo de Paulo é incentivar os irmãos a cantarem em unidade ao Senhor EM FORMA DE LOUVOR E ADORAÇÃO, a fim de contrastar com o comportamento dos não cristãos, que se reuniam para suas bárbaras e licenciosas orgias de bebedeira; já em Colossenses 3.16, o objetivo do apóstolo não estava somente na adoração a Deus por meio da música, mas também NO ENSINO DA PALAVRA por meio dessa ferramenta. Observe sua explicação: A ênfase aqui (Colossenses 3.16) não está, necessariamente, na adoração, como na passagem anteriormente considerada (Efésios 5.19), mas no ensino e admoestação de um ao outro. […]. Nessa passagem, Paulo traz à luz um princípio que todos os musicistas das igrejas fariam bem em seguir. Corretamente usada, a música pode ser um dos nossos mais eficientes meios de educação. [3]

 É fato que existem interpretações diferentes, assim como versões bíblicas que não veem em Colossenses 3.16 Paulo enfatizando a música como meio didático. O comentarista William Hendriksen, embora seja um dos que são contrários a essa interpretação, em nota de rodapé apresenta diversas versões bíblicas e relatos de grandes comentaristas que veem em Colossenses 3.16 uma clara intenção de Paulo em relacionar a música a um meio didático.[4] Uma das versões em português que assim interpreta é a Almeida Revista e Corrigida [ARC]: “Ensinando-vos e admoestando-vos uns aos outros, com salmos, hinos e cânticos espirituais”.

Outro conceituado teólogo que segue esta mesma vertente na interpretação de Colossenses 3.16 é John MacArthur. Em um artigo para a revista Christian Research Journal, publicado em português pelo site Monergismo,MacArthur afirma que, “assim como ordenado em Colossenses 3.16, os hinos de séculos atrás eram ferramentas didáticas maravilhosas, cheias da Palavra e de doutrina sólida, um meio de ensinar e admoestar uns aos outros”.[5]

A tradução de Colossenses 3.16 na versão Almeida Revista e Atualizada [ARA] é a seguinte: “Habite, ricamente, em vós a palavra de Cristo; instruí-vos e aconselhai-vos mutuamente em toda a sabedoria, louvando a Deus, com salmos, e hinos, e cânticos espirituais, com gratidão em vosso coração”. Nem todos os adeptosdesta linha interpretativa enxergam nesta passagem uma clara intenção de Paulo em fazer uso didático da música, entretanto, são unânimes em reconhecer sua repercussão como fator de proclamação da Palavra de Deus. Hernandes Dias Lopes é um deles. Segundo sua interpretação, a ideia transmitida pelo texto é a utilização dos salmos, hinos e cânticos espirituais como uma consequência da habitação da Palavra de Cristo na vida do salvo, ou seja, o ensino transmitido de um ao outro pela proclamação e compartilhamento das Escrituras (não por meio dos salmos, hinos e cânticos espirituais) resultará em canções profundas de exaltação e gratidão a Deus. Confira o seu posicionamento:

Ser cheio da Palavra deságua em música de adoração a Deus (3.16). A vida transformada por Cristo e orientada por sua Palavra expressa sua felicidade e gratidão por meio de salmos, hinos e cânticos espirituais. […] Há uma relação entre Bíblia e música na Igreja. A pobreza do conhecimento da Palavra reflete no imenso número de músicas evangélicas pobres e vazias de conteúdo bíblico. Os compositores evangélicos precisam ser cheios da Palavra, pois música é teologia cantada. [6]

Apesar desse posicionamento, Hernandes reconhece o poder persuasivo da música, quando diz que ela “tem um profundo impacto evangelístico. Ela é um instrumento poderoso nas mãos de Deus para quebrantar os corações e atraí-los para a verdade de Deus”.[7]

Tanto a interpretação que se apoia na ARC, quanto a que é sustentada pela ARA, parece ser beneficiada pelo contexto geral da carta aos Colossenses. A primeira interpretação ganha credibilidade, pelo fato de existirem muitas heresias adentrando a igreja de Colossos, no entanto é sabido, desde os tempos remotos, que a música está intimamente ligada ao ensino. E Paulo, ao escrever esse texto, estava ciente dessa verdade, por ter sido educado em sistemas culturais que atrelavam música à educação.

A partir dessas informações, fica fácil perceber que uma das estratégias usadas pelo apóstolo para combater as heresias foi o incentivo da música para fins didáticos. Uma forte evidência de que Paulo utilizou esse recurso para manter os irmãos na sã doutrina é o hino[8] a respeito da pessoa de Cristo, inserido em Colossenses 1.15-20 [ARC]:

“O qual é imagem do Deus invisível,

o primogênito de toda a criação;
Porque nele foram criadas todas as coisas

que há nos céus e na terra

 visíveis e invisíveis,

sejam tronos, sejam dominações,

sejam principados, sejam potestades.

Tudo foi criado por ele e para ele.
E ele é antes de todas as coisas,

e todas as coisas subsistem por ele.
E ele é a cabeça do corpo, da igreja;

é o princípio e o primogênito dentre os mortos,

para que em tudo tenha a preeminência.
Porque foi do agrado do Pai que toda a plenitude nele habitasse,
E que, havendo por ele feito a paz pelo sangue da sua cruz,

por meio dele reconciliasse consigo mesmo todas as coisas,

tanto as que estão na terra, como as que estão nos céus”

            Observando por esse prisma, a presente interpretação, que enxerga em Colossenses 3.16 o incentivo de Paulo ao uso didático da música entre irmãos – apoiada pela tradução ARC – torna-se coerente, pois é quase incontestável o fato de que o apóstolo tenha incentivado os irmãos a cantarem os salmos, hinos e cânticos espirituais com o objetivo de preservá-los da denominada “heresia colossense”, uma vez que os hinos da época – muito diferentes de determinados hinos atuais no que dizem respeito ao conteúdo – eram canções que apresentavam as Escrituras com estrita fidelidade. MacArthur afirma: “Se a função apropriada da música inclui ‘ensinar e admoestar’, então a música na igreja deve ser muito mais que um estímulo emocional. Na verdade, isso significa que a música e a pregação devem ter o mesmo alvo. Ambas pertencem à proclamação da Palavra de Deus”.[9]

Conclui-se, então, à luz de Efésios 5.19 e Colossenses 3.16, que a música possui mais de uma finalidade. Além de se prestar ao louvor a Deus, ela é também um eficiente meio de ensino das verdades do Senhor. Enquanto a Igreja canta em adoração, ela também cresce em conhecimento, pois internaliza as verdades que são expressas através das letras das canções entoadas.

* Extraído do livro Cantar e ensinar: doutrina cantada é doutrina aprendida


[1]MCCOMMON, Paul. A música na Bíblia. ed. 2. Rio de Janeiro: JUERP, 1981. (p. 31)

[2] GUNDRY, Robert Horton. Panorama do Novo Testamento. 3 ed. Atual. e Ampl. São Paulo: Vida Nova, 2008 (p.508)

[3] MCCOMMON, Paul. A música na Bíblia. ed. 2. Rio de Janeiro: JUERP, 1981 (p.33).

[4] HENDRIKSEN, William. Colossenses e Filemom. São Paulo: Casa Editora Presbiteriana, 1993. (Comentário do Novo Testamento) (p.202)

[5] MACARTHUR, John. Com corações, mentes e vozes. 2009. Disponível em: <http://www.monergismo.com/textos/liturgia/coracoes_mentes_vozes_macarthur.htm >. Acesso em: 12 set. 2012

[6] LOPES, Hernandes Dias. Colossenses: a suprema grandeza de Cristo, o cabeça da igreja. São Paulo: Hagnos, 2008 (p.192-3)

[7] LOPES, Hernandes Dias. Colossenses: a suprema grandeza de Cristo, o cabeça da igreja. São Paulo: Hagnos, 2008 (p.193)

[8] Ver discussão em MARTIN, Ralph P. Colossenses e Filemom: Introdução e comentário. São Paulo: Sociedade Religiosa Edições Vida Nova, 1984, p. 71-76; e em HENDRIKSEN, William. Colossenses e Filemom. São Paulo: Casa Editora Presbiteriana, 1993, p.88-92

[9] MACARTHUR, John. Com corações, mentes e vozes. 2009. Disponível em: <http://www.monergismo.com/textos/liturgia/coracoes_mentes_vozes_macarthur.htm >. Acesso em: 12 set. 2012

Extraído do livro Cantar e ensinar: doutrina cantada é doutrina aprendida

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